Demasiada Felicidade, Alice Munro | Opinião Livros

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Capa do livro Demasiada Felicidade.

Sinopse:
Dez contos inéditos da vencedora do Man Booker International Prize de 2009.
Na primeira história, uma jovem mãe é libertada, por um volte-face surpreendente, do sofrimento de ter perdido os seus três filhos. Noutra história, uma rapariga reage a um caso humilhante de sedução com uma solução astuta ainda que pouco louvável. Outros contos revelam as zonas de sombra de um casamento, a crueldade insuspeita das crianças ou a maneira como a cara desfigurada de um rapaz é o motor de tudo o que há de bom e de mau na sua vida. E na longa história que dá título ao livro, acompanhamos Sophia Kovalevsky — emigrante russa e matemática de finais do século XIX — numa viagem que empreende no Inverno através da Europa, até chegar à Suécia onde encontra finalmente uma universidade disposta a contratar uma mulher para lecionar Matemática.
Alice Munro transforma uma vez mais acontecimentos e emoções complexos em histórias que iluminam a maneira imprevisível como os homens e as mulheres acomodam e muitas vezes transcendem o que acontece nas suas vidas.



Opinião:

Opinar sobre um livro de contos é para mim algo complicado até porque não tenho experiência com este tipo de obras e, para fazer justiça ao trabalho da autora, decidi falar um pouco sobre cada um dos contos deste livro, se bem que de modo muito superficial.
Primeiro, quero-me debruçar sobre a beleza e fluidez das palavras da autora, afinal Alice Munro é já uma veterana nestas andanças da literatura (acho que se reformou recentemente), conseguindo a sua grande consagração em 2013 com o Prémio Nobel da Literatura.
Estava bastante curiosa sobre a escrita da autora e pude constatar que ela não é daqueles autores que nos confundem com palavras caras e nos fazem sentir burros face a tamanho vocabulário e figuras de estilo complicadas. Alice Munro traz-nos dez contos simples e contados de forma direta, mas com histórias bastante sensíveis.
Todos os seus contos acabam por abordar o envelhecimento e a solidão que isso obriga de modo muito natural, mas que me trouxe um grande desconforto e talvez me tenha feito pensar sobre o meu próprio futuro de uma maneira que nenhum outro livro fez até agora. Por isso preparem-se, pode não parecer, mas os seus contos são bastante profundos de uma maneira dissimulada.

Primeiro Conto:

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Uma mulher, ainda muito jovem, perdeu simultaneamente os seus três filhos pequenos, o choque foi, como devem calcular, terrível, ainda mais porque não se tratou de um acidente, eles foram mortos pelo próprio pai, após uma discussão entre ela e o marido. Quando questionado do porquê durante o julgamento ele teve o desplante de culpá-la. Se isto não é revoltante não sei o que mais poderá ser. Ele é considerado inimputável e colocado num manicómio. Ela muda-se para uma nova cidade, onde lhe arranjam emprego como empregada de hotel e uma psicóloga a acompanha semanalmente.
Esta jovem acaba por fazer várias visitas ao marido preso, quase como se não conseguisse viver sem ele e precisasse de falar com ele sobre trivialidades como o tempo, o seu aspeto, o seu novo trabalho e pouco mais.
Não lhe conseguindo dizer algo que considera muito importante cara a cara, ele escreve-lhe duas cartas, nas quais lhe revela que os filhos estão vivos noutra dimensão e que consegue comunicar com eles. Isto pode parecer ridículo, mas este parece ser o tal volte-face que fala na sinopse. É como se o homem que lhe tirou os filhos, os estivesse a devolver.
A protagonista deste conto nunca foi uma jovem equilibrada. A mãe morre quando ela tem dezasseis anos e logo aí ela engravida deste homem muito mais velho, vai com ele para outra cidade, tem três filhos (ele é contra o uso de métodos contracetivos e antes dos vinte anos ela já os tinha três), não trabalha e cria os filhos em casa, eles nem podem ir para a escola. O pouco que ela nos relata sobre a sua relação com o marido revela-nos claramente uma relação abusiva e um homem claramente perturbado em termos psicológicos, mas ela nunca o admite, nem para nós, nem para si própria, vendo tudo como normal...
No final do conto ela parece seguir em frente graças à história deste homem e finalmente abdica daquelas visitas nada saudáveis.

Segundo Conto:

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Joyce e Jon eram um jovem casal com uma vida perfeita. Ele era carpinteiro, ela professora de música, isto até que chega Edie, aprendiz de Jon, uma toxicodependente e alcoólica em recuperação com uma filha de nove anos que cria sozinha.
Edie tem os braços cobertos de tatuagens, roupas e modos masculinos, para além de ser uma pessoa pouco culta ou inteligente com ideias muito estranhas sobre tudo e mais alguma coisa. Joyce e o marido costumavam rir das conversas de Edie à noite durante o jantar. Contrariamente a todas as expectativas, Jon troca a mulher atraente e inteligente por Edie, passando a viver na casa que antes era de ambos com Edie e a filha desta.
Numa primeira fase, Joyce tenta mostrar a Jon, por meio das outras pessoas, que ela está feliz, mas na verdade Joyce está infeliz com a separação e ainda tem esperanças que o marido reconsidere e volte para ela.
Vários anos mais tarde, tornamos a reencontrar Joyce, uma talentosa violoncelista sexagenária que vive agora em Vancouver, na festa de aniversário do seu marido, Martin, um cirurgião amante de música, casado pela terceira vez. Através do testemunho da própria somos inteirados que Jon, agora casado também pela terceira vez, enviou-lhe um convite para o batizado do neto, ao que ela agradeceu mas não poderá comparecer. Joyce, por seu lado, nunca teve filhos, mas tem três enteados, sendo particularmente próxima de Tom, o filho mais novo e homossexual do marido.
Nessa festa, Joyce encontra uma jovem que é casada com Justine, um amigo de Tom, apesar de não ter simpatizado com a jovem pela arrogância desta, fica intrigada com ela por lhe parecer de algum modo familiar. Ao questionar Tom descobre que essa jovem se chama Christie O'Donel e é escritora, tendo publicado recentemente um livro, o seu primeiro livro. Por curiosidade Joyce vai a uma livraria e compra o livro, onde descobre que este é na realidade um livro de contos. Um dos contos desse livro chama-lhe a atenção e, ao lê-lo, descobre que Christie é filha de Edie e que na altura da separação de Joyce admirava imenso a sua professora de música que apenas a usou para saber informações acerca da vida de Jon e Edie...
E assim podemos concluir que mesmo sem termos consciência disso os nossos atos podem marcar profundamente aqueles que estão à nossa volta.

Terceiro Conto:

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O nome deste conto vem de um poema que é citado. Assumo que não compreendi este conto ou pelo menos a mensagem que pretendeu transmitir... Se é que pretendeu transmitir alguma mensagem.
A protagonista é uma jovem do campo que vai estudar Filosofia Avançada para uma Universidade, aluga um quarto e passa a ter uma colega de quarto estranha e excêntrica chamada Nina que tem uma relação com um homem mais velho e rico.
Todos os domingos, de 15 em 15 dias, a narradora vai jantar a um bom restaurante com o seu primo Ernie.
No mesmo espaço de tempo, a narradora vai a um jantar muito estranho com o homem com quem Nina tem uma relação e Nina foge para viver com Ernie para logo depois se arrepender e voltar para o tal homem e a narradora voltar aos jantares de domingo com o primo Ernie...
E basicamente é isto, mas confesso que a narradora fez algo no fim para vingar a situação, mas não percebi... E, principalmente, não percebi de quem ela se pretendia vingar, se do primo Ernie se de Nina.

Quarto Conto:

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Um casal com três filhos vê um acontecimento marcar a sua vida, principalmente, a vida do seu filho mais velho, Kent, um rapaz inteligente, mas muito dado a brincadeiras.
Após uma infância e adolescência normais, mas marcadas por uma experiência de quase morte da qual foi salvo pelo pai, Kent desaparece, durante anos a família não sabe dele, até que a irmã mais nova descobre-o por acaso.
Kent marca então um encontro com a mãe onde esta descobre que o filho tornou-se um mendigo e que vive juntamente com outros mendigos numa casa abandonada sem quaisquer condições e que além disso está muito doente.
No entanto, o reencontro não é alegre, mãe e filho não se sentem à vontade um com o outro. Além disso, Kent parece só ter aceitado este reencontro por causa da herança do pai que faleceu recentemente. Sabendo que não tem direito ao dinheiro, porque o pai assim o quis, Kent perde todo o interesse na mãe que apesar de tudo ainda vai para casa com a esperança de voltar a ver o filho.

Quinto Conto:

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Acho que este conto pretende abordar, principalmente, a solidão e o faz de um modo genial.
Nita é uma mulher com uma doença terminal: cancro do fígado. Os médicos dão-lhe mais um ano de vida e, ao contrário do que ela e o marido previram, ele morre subitamente deixando-a completamente sozinha, sendo que o casal não teve filhos.
Ainda no processo de luto, Nita é sequestrada na sua própria casa por um homicida em fuga, para se salvar ela inventa uma história sobre também ela ter morto uma mulher (a amante do marido) envenenando-a com uma planta e que agora ele sabia o seu segredo. Foi uma solução engenhosa e homem foge com o carro do seu falecido marido acreditando que ela não vai falar porque ele sabe o grande segredo dela...

Sexto Conto:

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Neste conto um rapaz que nasce com um sinal no rosto vê a sua vida para sempre condicionada por essa deformidade. Mas será um episódio da sua infância que envolveu a sua companheira de brincadeiras na altura, Nancy, que o afetará profundamente em termos afetivos.

Sétimo Conto:

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Uma idosa conta-nos uma história que se passou no seu primeiro emprego, quando aos treze anos vai cuidar de um moribundo com leucemia.
Aí ela é tratada como inferior pela madrasta e pela a esposa do moribundo, mas a chegada de outra mulher, Roxane, a massagista, vai alterar a rotina daquela casa. Até que o moribundo faz uma escolha que ficará para sempre guardada nas recordações da narradora da história.

Oitavo Conto:

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O conto que mais me marcou e o único que me fez chorar. Um conto que nos relata como as crianças podem ser cruéis e intolerantes às diferenças umas das outras.
Desde o princípio do conto que antipatizei com a protagonista e, para mim, os seus atos estão para lá de qualquer desculpa e compreensão.
Ao longo da história sabemos que aconteceu algo realmente grave no passado, mas só no final do conto é sabemos os verdadeiros contornos do acontecimento que para sempre marcou a vida da protagonista e esse acontecimento consegue ultrapassar as minhas piores previsões.
Um conto que narra um episódio revoltante...

Nono Conto: 

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Talvez um dos contos mais simples e menos profundos deste livro. O protagonista trabalha como reparador de móveis e estofador.
Ele tem mais trabalho do que aquele que consegue fazer, tendo, inclusive, de recusar vários pedidos de trabalho por não conseguir cumprir os prazos, mas a sua verdadeira paixão é cortar madeira, trabalho que realiza em part-time e que lhe ocupa a maioria dos pensamentos.
Tudo decorre como habitualmente até que a ameaça de concorrência no seu negócio do "coração" vem destabilizar a sua mente e levar a um acidente...

Décimo Conto:

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O conto mais longo e também aquele que dá o nome ao livro. Demasiada Felicidade narra a vida de Sofia Kovalevskaya, uma mulher à frente do seu tempo e que moverá montanhas para encontrar um local que aceite mulheres a trabalhar na área da Matemática. A sua viagem levá-la-á à Universidade de Estocolmo, na Suécia, onde a aceitam como professora de Matemática.
Uma história semi-biográfica que narra a vida de uma mulher que de facto existiu e que, apesar de um génio da Matemática que ganhou vários prémios ao longo da sua carreira, era uma mulher como tantas outras com sonhos, esperanças, desiluções e de uma grande complexidade. Uma mulher admirável nascida na Rússia e que viveu numa altura particularmente conturbada do seu país natal.
Podemos dizer este conto é uma homenagem a todas as mulheres que ambicionam ir mais além.

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