O Ano do Dilúvio, Margaret Atwood | Opinião Livros

capa-do-livro-o-ano-do-dilúvio-de-Margaret-Atwood
Capa do livro

Sinopse:
O Sol já brilha no céu, dando ao cinzento do mar o seu tom avermelhado. Os abutres secam as asas ao vento. Cheira a queimado. O dilúvio seco, uma praga criada em laboratório pelo homem, exterminou a humanidade. Mas duas mulheres sobreviveram: Ren, uma dançarina de varão, e Toby, que do alto do seu jardim no terraço observa e escuta. Está aí mais alguém? Um livro visionário, profético, de dimensões bíblicas, que põe a nu o mais ridículo e o mais sublime do ser humano, a nossa capacidade para a destruição e para a esperança. Negro, terno, inquietante, violento e hilariante, revela Margaret Atwood no seu melhor.

livro-o-ano-do-dilúvio-de-Margaret-Atwood

Opinião:

O desafio de ler uma obra de Margaret Atwood surgiu no Clube do Livro ao qual pertenço. Enquanto os meus colegas se comprometeram a embrenhar por obras mais conhecidas da autora, nomeadamente, A História de uma Serva que deu origem à proclamada série da Hulu, optei, por falta de escolha visto que foi o único livro da autora que me restou na biblioteca, por uma obra menos conhecida, O Ano do Dilúvio. Não sabia propriamente o que esperar com este livro e devo confessar de demorei a entrar na história e nem sei se cheguei a entrar realmente nela. Só mais tarde descobri que este livro é o segundo volume de uma trilogia iniciada com Ónix e Crex e mais tarde fechada com MarAddam, o volume que dá o nome à trilogia.

Deus podia ter concebido o Homem a partir do puro Verbo, mas não foi esse o método que ele usou. Também o podia ter formado do pó da Terra, o que, de certo modo, até fez, pois o que mais pode significar "pó" senão átomos e moléculas, os componentes básicos de todas as entidades materiais?

O Ano do Dilúvio retrata um mundo pós-apocalíptico, no qual (aparentemente) apenas restaram duas mulheres: Toby e Ren. À partida, elas não têm qualquer relação entre si, mas depressa descobrimos que as coisas não são bem assim. Toby e Ren podem ter passados diferentes, mas ao longo das suas vidas, elas acabaram por convergir, num momento específico, para um estranha seita de ecologistas adoradores de animais chamada Jardineiros de Deus.

Ao longo de todo o livro vamos tendo um vislumbre alternado do passado e presente de Toby e Ren. Toby é mais velha, poderia ser mãe de Ren, a sua vida era relativamente normal até a sua mãe falecer com uma estranha doença e o seu pai se suicidar, a partir daí a vida da jovem Toby sofre revés atrás de revés, acabando por ir parar às mãos cruéis de Blanco. A sua morte parecia eminente até que é resgatada pelos Jardineiros. Mesmo nunca se considerando uma verdadeira crente, Toby acaba por abraçar todos os membros daquela estranha seita como se fossem a sua própria família. 

Ren era apenas uma criança quando a mãe Lucerne fugiu com Zeb, um membro dos Jardineiros, e a levou juntamente com eles para viver no meio desta seita, a sua vida até então priveligiada levou uma volta. Ren sente-se extremamente solitária até que encontra Amanda, que passa a ser a sua melhor amiga e de algum modo um grande apoio, apesar do medo dos outros membros do grupo que esta a influencie. Mas, do mesmo modo com que arrancou Ren da sua vida anterior, Lucerne arrasta novamente a filha para a sua vida anterior. Ren sofre novamente com uma reintegração forçada e, mais tarde com o abandono da mãe e a sua vida torna a ser novamente alterada para convergir com a sua profissão futura: prostituta e dançaria exótica num clube famoso chamado Escamas.

Apesar de ser a vida de Ren que mais voltas irá sofrer ao longo do livro, Toby é a minha personagem favorita, uma vítima que acaba por se erguer mesmo com os seus traumas e que tenta fazer o melhor por aqueles que a acolheram, tentando ser verdadeira consigo própria, ao mesmo tempo que tenta agradar àqueles que a salvaram. As crianças temiam-na, mas respeitavam-na acima de tudo. Os outros Jardineiros consideraram-na como um deles muito antes dela própria ter aceitado esse destino, de algum modo lhe imposto por um qualquer sentimento de lealdade. Além disso, Toby é garantidamente a personagem melhor preparada para enfrentar um Apocalipse com a sua dureza e sentido de humor mórbido. Por explorar fica a sua relação com Zeb, o membro mais carismático dos Jardineiros.

Já Ren é aquele típico exemplo de criança ingénua que cresce como uma mulher fraca sem forças para ultrapassar as contrariedades de vida e se deixa levar na maré mais fácil. Sem Amanda e, principalmente, Toby, Ren nunca teria conseguido se salvar, a verdade é essa.

O Ano do Dilúvio está longe de ter sido um livro cativante, mas foi de algum modo uma leitura interessante com uma mensagem pertinente para o futuro da Humanidade. Num planeta que avança rapidamente na exploração desenfreada dos seus recursos naturais a um ritmo assustadoramente rápido, este livro oferece-nos uma visão ao mesmo tempo profundamente negativa e de algum modo esperançosamente otimista para o futuro da Humanidade.

Segundo as Palavras Humanas de Deus, a tarefa de salvar as Espécies escolhidas foi dada a Noé, que simbolizava os que estavam conscientes entre a Humanidade. Somente ele foi prevenido; somente ele arrogou a si a intendência original de Adão, mantendo as benquistas Espécies de Deus a salvo até as águas do Dilúvio recuarem e a sua Arca encalhar em Ararat. Então, as Criaturas salvas foram soltas sobre a Terra, como se numa segunda Criação.

O melhor: Ver a evolução da personagem Toby.

O menos bom: Tentar seguir o fio à meada com uma história estranha e demasiado profética, isto apesar de considerar os sermões do líder dos Jardineiros, Adão Um, bastante interessantes e instrutivos.


Sobre a autora:


Margaret-Atwood
Margaret Atwood
Margaret Atwood nasceu em Otava em 1939. É a mais celebrada autora canadiana e publicou mais de quarenta livros, de ficção, poesia e ensaio. Recebeu diversos prémios literários ao longo da sua carreira, incluindo o Arthur C. Clarke, o Booker Prize, o Governor General’s Award e o Giller Prize, bem como o prémio para Excelência Literária do Sunday Times (Reino Unido), a Medalha de Honra para Literatura do National Arts Clube (EUA), o título de Chevalier de l’ Ordre des Artes e des Lettres (França) e foi a primeira vencedora do Prémio Literário de Londres. Está traduzida para trinta e cinco línguas. Vive em Toronto com o escritor Graeme Gibson.

Comentários