O Evangelho segundo Lázaro, Richard Zimler | Opinião Livros

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Sinopse:

No Novo Testamento, ficamos a saber que Jesus ressuscitou um amigo próximo de nome Lázaro. Contudo, em parte alguma do Evangelho segundo São João - que contém este episódio -, se menciona como é que ele realizou o milagre ou se teria algum motivo especial para o fazer. Em O Evangelho segundo Lázaro, Richard Zimler preenche estas e outras lacunas, narrando a história da perspetiva de Lázaro, descrevendo como ele e Jesus se conheceram em crianças, a transcendência da ligação que os une e o momento em que Lázaro acordou no túmulo, desorientado e sem qualquer memória de uma vida após a morte.
Porém, só trinta anos depois da crucificação do seu velho amigo, Lázaro começa a entender a extensão do papel que sempre ocupou na vida de Jesus e talvez ainda venha a ocupar. É que a derradeira prenda de Jesus a Lázaro - deixada num dos locais malditos de Jerusalém - parece conter a chave que ajudará Lázaro a concretizar os desígnios de uma Terra Prometida. Deverá ele arriscar tudo e levar a cabo os perigosos planos de Jesus?
Com a voz única a que Richard Zimler nos habituou, este romance apaixonante e amplamente documentado, situado no contexto das práticas e tradições judaicas da era antes de Cristo, irá certamente perturbar alguns leitores e tocar profundamente outros.




Certamente que muitos já se deverão ter interrogado relativamente à relação entre Jesus Cristo e Lázaro, o único homem que Jesus ousou trazer do mundo dos mortos, pelo menos que nós saibamos. Qual seria a relação entre ambos e qual a versão dos factos do ponto de vista do próprio Lázaro? Terá este encontrado vida para além da morte? E caso não tenha encontrado, em que ponto ficou a sua fé?

O Evangelho segundo Lázaro narra os acontecimentos que sucederam a ressurreição de Lázaro, por parte de Jesus, e antecederam a morte e ressurreição do próprio Jesus Cristo. Trata-se de um período bastante interessante da história da humanidade, principalmente para os Cristãos.

Lázaro é uma testemunha passiva em determinados momentos e ativa noutros que presenciou quase toda a vida de Jesus com quem mantinha uma relação de grande amizade e companheirismo desde a infância, sendo nos dado a entender que Jesus confia mais em Lázaro do que em qualquer um dos seus discípulos. De acordo com o autor, Lázaro é o amigo de infância que estudou com Jesus as escrituras de Torá que sabe todos os seus segredos e presenciou todos os seus milagres, o que é estranho, uma vez que é apenas referido uma vez na bíblia.

É um Lázaro já idoso e, provavelmente, na reta final da vida que decide deixar finalmente por escrito o seu próprio testemunho sobre Jesus Cristo, a sua vida, obra e mensagem. E, ao mesmo tempo em que revela pormenores da sua própria vida ao neto Yaphiel, Lázaro vai revelando alguns dos segredos de Jesus, nomeado Yeshua no livro.

Querido Yaphiel, para poder começar a escrever nesse pergaminho que agora tens nas mãos, comprei hoje de manhã tinta numa tenda do teu mercado favorito - o preferido dos vendedores de flores da nossa ilha e que se anima de vida todas as madrugadas, ao lado lado do templo de Atena. Quando cheguei a casa tranquei-me no meu quatro de orações secreto. Consegues ver-me lá? Neste preciso momento, estou sentado no mosaico de Yeshua, sob o terebinto que cresce no centro do meu mundo. (pág. 15)

Neste livro, a relação entre Lázaro e Jesus deixou-me admirada e desconfortável pela sua intimidade invulgar. Há da parte do autor a necessidade de criar uma amizade ímpar e bastante cúmplice entre estas duas figuras bíblicas, mas o que é certo é que, por vezes, Richard Zimler força tanto a relação de ambos que acabam por parecer um casal de amantes que, por respeito e amor incondicional um ao outro, escolhem manter a sua relação platónica, como católica esta visão peculiar do filho de Deus me deixou desconfortável, não porque tenha algo contra uma relação homossexual, mas porque colocar Jesus numa relação intima de carácter amoroso com outra pessoa vai contra aquilo que nos ensinam desde sempre. Sei que se trata apenas de uma questão desenvolvida por Richard Zimler, que apesar de tudo a trata com bastante sensibilidade e tacto, mas são demasiados anos de ensinamentos estranhados na pele para aceitar isso sem reservas.

Explica-me que posso comunicar com ele através do seu irmão Yacov e depois ergue os olhos em direção a Yerushalayim: percebo que está ansioso por levantar vela da ilha que ambos formamos juntos. Contudo, o medo de que ele viva os próximos meses e anos sem mim oprime-me o peito.
- Fica comigo.
Não sei quem diz estas palavras; saem-me da boca por vontade própria, como se fugissem de uma cidade que se desmorona. (pág. 217)

O dilema de Lázaro que se mantém afastado de Jesus, nos últimos capítulos da sua jornada, para proteger a sua própria família, a dificuldade em se relacionar com os filhos, Yirmi e Nahara, a sua relação conflituosa com a irmã Marta, o grande amor maternal que a sua irmã Mia lhe devota, a sua personalidade ímpar, a sua educação acima da média naquele tempo e a revolta por ver o seu povo ser oprimido e dominado pelos romanos tornam Lázaro numa personagem extremamente rica e de uma grande profundidade. Richard Zimler consegue criar um protagonista real que, no meio dos seus diálogos bastante ricos em significados escondidos e citações das escrituras de Torá, nos consegue cativar e fazer torcer para que tudo corra bem na sua jornada num dos tempos mais importantes para a história de toda a humanidade.

Chorei horrores quando Lázaro nos narra os momentos que antecederam a morte na cruz por Jesus e foi aí que Richard Zimler me conquistou totalmente com uma narração perfeita, ao mesmo tempo crua e sensível, sem dúvida um grande autor que vou seguir no futuro.

Aventurei-me com este livro para conhecer a escrita de Richard Zimler e nesse ponto não podia ter sido melhor recompensada. Richard Zimler é de facto um grande escritor com uma prosa quase poética e um estilo literário muito próprio que nos conduz com mestria ao longo das páginas deste livro. Com desconforto pelo tema ou não é impossível negar o talento do autor e, ao mesmo tempo, admirar a sua coragem para escrever sobre algumas das personagens mais ilustres do Novo Testamento, sem medo de julgamentos por parte dos religiosos mais conservadores.

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O melhor: A escrita envolvente de Richard Zimler.

O menos bom: Uma abordagem livre e pessoal relativamente a um tema muito sensível para os Católicos que é a vida e morte de Jesus Cristo...


Richard Zimler
Richard Zimler nasceu em 1956 em Roslyn Heights, um subúrbio de Nova Iorque. Fez um bacharelato em Religião Comparada na Duke University e um mestrado em Jornalismo na Stanford University. Trabalhou como jornalista durante oito anos, principalmente na região de São Francisco. Em 1990 foi viver para o Porto, onde lecionou Jornalismo, primeiro na Escola Superior de Jornalismo e depois na Universidade do Porto. Tem atualmente dupla nacionalidade, americana e portuguesa. Desde 1996, publicou onze romances, uma coletânea de contos e cinco livros para crianças.
A sua obra encontra-se traduzida para 23 línguas.
Para mais informações sobre o autor, visite o site www.zimler.com.

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