Manhwa Dine With a Vamprie | As Marcas de uma relação abusiva

Preso nas garras de uma relação abusiva, Sooin anseia uma fuga.

Um vampiro que acha o sangue humano repulsivo, Chi-Hwan apenas bebe o sangue de outros vampiros.

Quando o acaso os junta, Chi-Hwan faz uma proposta irrecusável a Sooin. Chi-Hwan irá ajudar Sooin a ver-se livre do seu inferno em troca do seu sangue... Irá esta proposta mudar a vida de ambos para melhor?

Confesso que hesitei antes de ler Dine With a Vampire, pois tive medo que esta história fosse para lá de trágica e sombria, mas depois de ouvir falar tanto bem sobre ela decidi dar-lhe uma hipótese. E ainda bem que o fiz.

O ponto principal de Dine With a Vampire não é o seu plot sobrenatural (vampiros) e a sua alta carga de cenas homoeróticas, pois trata-se de manhwa yaoi, mas sim a relação abusiva que retrata e as consequências negativas que esse tipo de relação traz para a vida das vítimas, mesmo depois destas conseguirem se livrar do agressor, como é o caso do nosso protagonista, Jo Sooin.

Sooin é salvo por Chi-Hwan, um vampiro com o qual faz um acordo, de uma relação abusiva com o ex-melhor amigo mas, na verdade, ele continua preso ao seu passado violento com Sungha, o que faz com que muitas vezes veja no vampiro o seu antigo agressor, apesar de um e outro serem completamente opostos.

A grande mestria de PANGIN/PINKO, autores do manhwa, é saber demonstrar de modo incrivelmente preciso, que mesmo que Sooin tenha sido libertado fisicamente da situação abusiva em que encontrava, ele continua preso em termos psicológicos a toda a violência física e psicológica de que foi vítima durante anos e que é preciso tempo para curar todas essas feridas, mesmo que o vampiro tenha curado as feridas físicas de Sooin.

Para mim a arte deste manhwa é tão boa quanto a sua história.

Muitos irão questionar porque Sooin não fugiu mais cedo desta relação tão violenta e destrutiva ou até porque ele permitiu que esta relação tivesse sequer início, mas também aqui o autor sabe explorar os pontos que levaram Sooin a ser completamente encurralado pela mente manipuladora e deturpada de Sungha. E mesmo que não tenha gostado de o ver, até as razões que levaram Sungha a tornar-se num agressor são devidamente exploradas.

Dine With a Vampire é um manhwa que aconselho vivamente e que ainda se encontra em fase de publicação. Em seguida passo a explorar três tópicos de Dine With a Vampire que considero muito pertinentes:

• Como Sungha manipulou e encurralou Sooin numa relação abusiva durante anos?
• O que levou Sungha a tornar-se num agressor?
• As mazelas psicológicas de Sooin após ser libertado da relação abusiva com Sunhga.

Resumindo: Sooin implora a Chi-Hwan que o salve.

Vou explorar os tópicos enunciados acima, dada a sua enorme pertinência para o desenrolar da história.

Como Sungha manipulou e encurralou Sooin numa relação abusiva durante anos?

Para Sungha, Sooin não é uma pessoa, mas sim um objeto que lhe pertence.

Sooin conhece Sungha na escola, após o último ser transferido para a sua turma. No início, Sungha atua como uma espécie de protetor para Sooin, que sofria bullying por parte dos outros colegas. A sua amizade foi evoluindo e, com o tempo, Sooin apaixona-se pelo melhor amigo. Até aqui nada de mais, mas quando Sungha descobre os sentimentos de Sooin, ao invés de os recusar ou aceitar como uma pessoa normal, torna-se extremamente violento para com ele. Aqui começam os espancamentos e insultos diários até que ambos concluem os estudos. Todavia, o pesadelo de Sooin estava ainda no início. Sungha manipula-o para morar com ele e chantageia-o com fotos intimas para o forçar a permanecer a seu lado. Os maus tratos tornam-se ainda mais violentos e, para além das agressões físicas, Sooin é agredido sexualmente numa base diária. Sungha abusa e maltrata Sooin por ele ser homossexual, mas não consegue se impedir de ter relações sexuais com ele, o que expõe a sua própria homossexualidade reprimida.

Sungha tem um prazer mórbido em provocar dor em Sooin, ficando excitado com as suas lágrimas. As marcas físicas no corpo de Sooin, que lhe pertence, são motivo de orgulho para ele. Completamente obcecado por Sooin, tem planos para o aprisionar num estúdio quando casar com a namorada, a filha de um congressista, para poder ter sexo com ele e o agredir à vontade até se fartar dele, mas é óbvio, dado o seu nível de obsessão, que ele nunca se conseguirá livrar de Sooin.

A expressão de Sungha já diz tudo sobre o seu caracter desprezível.

Sungha manipula todos os aspetos da vida de Sooin, o que ele come, o que ele veste, o que ele fala, com quem ele se relaciona e castiga-o consoante os seus próprios critérios deturpados. Estabelecendo metas impossíveis de alcançar, como estabelecer um horário de recolher impossível, dado o horário de trabalho Sooin, apenas para o poder castigar severamente caso ele não consiga cumprir com o ordenado.

Sooin tentou fugir várias vezes, mas acabou sempre por ser encontrado por Sungha e ser severamente castigado. Até que a única coisa que resta ao jovem é desejar que Sungha morra para que o seu calvário termine. E como resultado das suas preces surge o seu chefe, o vampiro Chi-Hwan.

O encontro que muda a vida de Sooin e Chi-Hwan.

O que levou Sungha a tornar-se num agressor?

Sungha não perdoa Sooin por se ter apaixonado por ele…

Tudo começa quando o pai de Sungha deixa a mulher e o filho para ir viver com o amante, um médico no hospital onde ele e a esposa trabalhavam como enfermeiros. Isto faz com que a mãe de Sungha peça transferência para outro hospital e se mude com o filho.

O ódio da mãe de Sungha pelos homossexuais atinge níveis obsessivos e a mulher traída e abandonada entra numa depressão profunda da qual nunca mais se consegue erguer e que culminará no seu suicídio alguns anos mais tarde.

Durante os últimos anos da sua vida, a mãe de Sungha incute no filho um ódio profundo contra os homossexuais e a desgraça que "eles" provocaram na sua família. Sungha cresce num meio pouco saudável, sujeito à influência de uma mulher doente psicologicamente, mas isso não justifica a meu ver as suas atitudes futuras.

Sungha culpa-se por ter levado a mãe a cometer suicídio, quando ela percebeu que ele e Sooin tinham uma amizade especial  e, ao invés de se revoltar contra si próprio, descarrega a sua ira em Sooin que passa a ser o bode expiatório dos pecados de Sungha. 

Durante anos, Sungha luta contra os seus desejos secretos por Sooin e desenvolve uma relação obsessiva e tóxica com o ex-melhor amigo. Ele deseja Sooin, o forçando a permanecer a seu lado, mas ao mesmo tempo sente-se enojado e o odeia na mesma medida em que o deseja, o agredindo violentamente por essa razão.

As mazelas psicológicas de Sooin depois de ser libertado da relação abusiva com Shunga.

Já nada importa para Sooin a não ser ver-se livre de Sungha.

Quando o vampiro Chi-Hwan encontra Sooin, um empregado de mesa do seu hotel de luxo, o último é apenas uma casca vazia, sem sonhos, ambições ou desejos. Os seus olhos apáticos, sem vida, revelam que Sooin não vive, apenas sobrevive. Na sua mente adormecida por anos de abusos físicos, psicológicos e sexuais, Sooin aceita facilmente o acordo que o vampiro lhe propõe sem pensar duas vezes: ajuda em troca do seu sangue.

A morte de Sungha é a única coisa que Sooin ambiciona na vida, pois Sungha roubou-lhe todos os outros sonhos, juntamente com a vontade de viver, e o vampiro é o único que pode ajudá-lo, assim os dois embarcam numa relação improvável.

Rapidamente Sooin descobre que Chi-Hwan, apesar de ser um monstro no sentido literal da palavra, está muito longe de ser um verdadeiro monstro como Sungha, o tratando com respeito e veneração. Contudo, Sooin não consegue se livrar da influência de Sungha, que povoa os seus pesadelos, o que faz com que ele confunda por, várias vezes, o vampiro com o seu agressor, num claro quadro de stress pós-traumático. A seguir passo apresentar alguns exemplos.

Durante a primeira cena intima entre Sooin e Chi-Hwan, quando Sooin toca inadvertidamente o rosto do vampiro, ele recorda que Sungha odiava que ele lhe tocasse, assim revê e prevê as atitudes de Sungha em Chi-Hwan, temendo ser agredido por ter tocado o rosto do vampiro.

Na situação acima, Sooin confunde Chi-Hwan com Sungha. O ódio de Sungha para com os homossexuais estava bem presente na memória de Sooin, só depois do vampiro o confrontar sobre com quem ele se encontrava no momento é que Sooin regressa ao momento presente.

Na cena acima temos um pesadelo de Sooin, o monstro é Sungha e o vampiro Chi-Hwan aparece para o salvar do monstro que o acusa de o ter tornado num monstro.

Considero esta obra muito mais profunda do que aquilo que poderíamos crer, temos uma forte componente sobrenatural e fantástica que adoro, mas temos, ao mesmo tempo, uma história realista sobre os traumas que uma relação abusiva e tóxica provoca nas vítimas, que mesmo conseguindo se livrar dos agressores mantêm uma série de traumas psicológicos que, na maioria dos casos, não são levados a sério ou até nem chegam a ser considerados.

Pelas opiniões que tenho lido em relação a este manhwa, muitos são aqueles que desistem após os primeiros capítulos, devido às suas cenas extremamente violentas, mas os mais resistentes, como eu, garantem que vale a pena, só para ver Sooin ser libertado de uma relação que mais parece um pesadelo e ver como ele apreende a ganhar confiança e a superar os seus medos. 

Sooin e Chi-Hwan são personagens complexas, ambos com traumas do passado que os impedem de seguir em frente, mas que lutam para se livrar dessas amarras, a exceção é Sungha, que permanece preso aos traumas do passado que o tornaram num agressor.

Um sorriso que merece ser preservado.